A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível, in "Contos Exemplares, de Sophia de Mello Breyner Andresen
Antes de mais, peço desculpa pela minha demorada ausência. Entre incidências várias, junta-se ainda a falta de coisas para contar. Esta temporada não tem sido particularmente entusiasmante em termos de futebol e isso retrai um pouco a actividade de escrever. Contudo, há pessoas pelas quais vale a pena ir dando uns toques na escrita.
Não há muito tempo folheava por acaso os "Contos Exemplares" de Sophia de Mello Breyner e deparei-me com a frase que dá o mote a este texto. É uma frase que pessoalmente me diz muito. Tal como dizia o professor Keating no "Clube dos Poetas Mortos", a Matemática, a Ciência, a Medicina, tudo isso é muito bonito, mas a Arte, a Literatura, a Poesia, o Amor... é por essas coisas que vivemos e morremos. Parece-me um bom ideal de vida e isso reflecte-se na minha visão do futebol.
Após a nossa vitória em Braga, em que Mitroglou jogou a titular, ouvi um conjunto de pessoas a dizer que o Jonas não podia ser titular do Benfica. Jonas não era, de acordo com esse certo conjunto de pessoas, o avançado ideal do maior clube do mundo, já que não era alto, forte, possante, etc. Marcava "alguns golos", mas não era bom jogar fora com ele em campo. Tempos mais tarde, quando jogámos em Setúbal e vencemos de novo, lembro-me que o Jonas, além de marcar, fez um passe brilhante para o nosso avançado grego marcar. E sorri. De alívio, porque fora golo do Benfica; mas também porque tive pena daquelas pessoas que achavam bem tirar o Jonas de campo.
Jonas não é só o melhor marcador do Benfica, não é só (ao momento em que se escreve) o Bota de Ouro Europeu, nem é apenas um jogador que tem uma excelente visão de jogo. Jonas é poesia em movimento. Ver Jonas jogar causa uma sensação que poucos jogadores causam em mim: dá-me prazer. Tenho vontade chorar só de pensar no privilégio que é ter Jonas em campo com o manto sagrado. Jonas é a "Desaparecida", de John Ford, é "O Sol dos Scorta", de Laurent Gaudé, Jonas é filho dos melhores escritores, dos melhores realizadores, dos melhores pintores. Jonas é a Arte.
Jonas é aquele amor adolescente intensíssimo que queremos que nunca mais acabe, com o qual queremos passar o resto das nossas vidas. Querem uma melhor declaração de amor que uma recepção de Jonas? Querem um abraço mais caloroso que ver uma finta sua, um passe seu, ou tão somente ver a jogada em que ele pensou há vinte minutos materializar-se?
Tirar Jonas do onze seria tirar a poesia das nossas vidas, seria deixar morrer o Amor, seria destruir a Arte, seria vender a nossa alma ao Diabo e deitar à fogueira todas aquelas coisas pelas quais vale a pena viver e morrer.
Deus tenha todos aqueles que negaram Jonas, porque o efeito da negação da poesia é irreversível. Porque as pessoas não vão aos estádios para ver os brutos. Vão aos estádios para ver a Arte, para ver os Jonas desta vida, e enquanto eles existirem existirá também este desporto maravilhoso que a todos fascina: o futebol.
Obrigado, Jonas, por nos lembrares todos os dias que há coisas pelas quais vale a pena lutar. Por nos avisares que o mais belo da vida pode estar num campo de futebol.